Eu amo desorganizada, desenvergonhada. Tenho um amor que não é fácil de
compreender porque é confuso. Não controlo, não planejo, não guardo para o
mês seguinte. A confusão é quase uma solidão adicional. Uma solidão emprestada.
Sou daquelas que pedirá desculpa por algo que o outro nem chegou a entender, que
mandará nova carta para redimir uma mágoa inventada, que estará se cobrando
antes de dizer. Basta alguém me odiar que me solidarizo ao ódio. Quisera resistir
mais. Mas eu faço comigo a minha pior vingança. Amar demais é o mesmo que
não amar. A sobra é o mesmo que a falta. Desejava encontrar no mundo um amor
igual ao meu. Se não suporto o meu próprio amor, como exigir isso?
Um dia li uma frase em Hegel: "nada de grande se faz sem paixão". Mas nada de
pequeno se faz sem amor. A paixão testa, o amor prova. A paixão acelera, o amor
retarda. A paixão repete o corpo, o amor cria o corpo. A paixão incrimina, o amor
perdoa. A paixão convence, o amor dissuade. A paixão é desejo da vaidade, o
amor é a vaidade do desejo. A paixão não pensa, o amor pesa. A paixão vasculha
o que o amor descobre. A paixão não aceita testemunhas, o amor é testemunha.
A paixão facilita o encontro, o amor dificulta. A paixão não se prepara, o amor
demora para falar. A paixão começa rápido, o amor não termina.
Não me dou paz sequer um segundo. Medo imenso de perder as amizades,
de apertar demais as palavras e estragar o suco, de ser violento com a respiração
e virar asma. Até a minha insegurança é amor. O pente nos meus cabelos é faca
enquanto é garfo para os demais. Sofro incompetência natural para medir a linguagem
das laranjas, acredito desde pequeno que tudo o que cabe na mão me pertence. Minha
lareira não dura uma noite, esqueço da reposição das achas, do envolvimento da lenha
no jornal, de assoprar o fundo. Brigo com o bom senso. Ou sinto calor demais ou sinto
frio demais. Uma ânsia de ser feliz maior do que a coordenação dos braços. Um
arroubo de abraçar e de se repartir, de se fazer conhecer, que assusta. Parece
agressivo, mas é exagerado. Conto tragédias de forma engraçada, falo de coisas
engraçadas como uma tragédia. Nunca o riso ou o choro acontece quando quero.
Cumprimento como se fosse uma despedida. Desço a escada de casa ao trabalho
com resignação, mas subo na volta pulando os degraus. Esse sou eu: que vai pela
esperança da volta.




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