Pequenas sutilezas da vida
"Minha avó dizia: para ser feliz,
a gente não precisa sair do lugar,
a gente tem que ser o lugar.
Ela me advertia com seu olhar de madrepérola.
Eu não entendia.
Ser feliz para mim era sair de casa,
depois da cidade, depois do estado e,
se possível, do país.
Acreditava que quanto mais longe
do início mais perto do final.
Julgava a independência um modo de fugir.
Descobri que estava errado.
Quanto mais longe do final
mais perto do começo.
Nada mais alto,
banal e humano do que dizer:
“eu sei ser feliz”.
Dor, susto, drama e tragédia,
a gente já nasce sabendo.
Saber ser feliz exige
décadas para entender e,
ao mesmo tempo, pede tão pouco.
Basta um ter o outro. Ficar horas
conversando abraçados.
Não depender de lugares famosos,
de restaurantes, de aventuras
exóticas para contar depois.
A felicidade é uma impressão,
uma intensidade, que não há como
descrever para os amigos. Muitas vezes,
se vive somente para relatar
o quanto nossa vida é impressionante,
mas lá no fundo persiste uma mágoa
desconfiada de não vivermos
o que realmente desejamos.
O que desejamos não se diz, se arde.
Saber ser feliz é se deliciar
com bobagens e lembranças,
brincadeiras e com a proximidade do corpo.
Não deixar o corpo ser apenas um corpo."
Carpinejar
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